24 outubro 2006

Como uma pessoa pode sentir saudade de algo que não aconteceu?

Rosa Virgínia perguntou:

Como uma pessoa pode sentir saudade de algo que não aconteceu?

Prezada amiga Rosa, a resposta pode estar nas vidas passadas ou na física quântica. Como eu não acredito em vidas passadas, ficaremos com a mecânica das partículas infinitesimais para explicar esse fenômeno também conhecido como “recordações do futuro”.

O nosso velho amigo Einstein já dizia e provava que a velocidade da luz é a barreira máxima de velocidade que se pode atingir em nosso universo. Por que ele dizia isso, eu não tenho a menor idéia e estou com preguiça de procurar. Mesmo porque, para demonstrar meu raciocínio, não vamos precisar muito dele e de sua teoria, só um pouquinho. O que eu sei, e posso te dizer, é que conforme um corpo se acelera e se aproxima da velocidade da luz, sua massa vai aumentado e o tempo se dilata. Ao ponto de parar de correr o tempo quando esse corpo atinge a velocidade da luz (e sua massa fica infinitamente enorme). Não sei por que cargas d’água, a velô da light se torna uma barreira intransponível para qualquer coisa que exista no nosso mundinho universal do reino de Deus formado por partículas que se movem em velocidades abaixo dela.

Mas, minha cara Rosa, o que se comenta por aí, é que o fato da luz ser uma barreira inexpugnável não quer dizer que também não exista todo um(ns) outro(s) universo(s) na parte de cima da barreira, que não exista toda uma gama de partículas gerando e se configurando num universo cuja velocidade mínima seria a da própria luz. A barreira continua intransponível, mas delimita universos acima e abaixo dela. Voltando ao nosso querido Einstein, ele dizia (e provava) que se o tempo não anda quando atingimos a velocidade da luz, para velocidades ainda maiores, ele começa a andar ao contrário. Para as ligeiras partículas (táquions) desse mundo supra-velô-luz, o tempo anda para trás. E se ele anda ao contrário, numa relação causa e efeito, o efeito acontece antes da causa. A batida do carro acontece antes da freada, a gravidez antes da concepção, o remorso antes da coisa errada que se faz. E a saudade, antes do motivo que a causou. Dessa forma, os táquions passeiam em seu universo superior à velocidade da luz, configurando mundos em que o futuro já era e o passado ainda está para acontecer.

19 outubro 2006

Onde Judas perdeu as botas?

Maria José perguntou:
Já se sabe o local onde Judas perdeu as botas? O que fazia Judas para perdê-las, ir embora e nem se lembrar delas?

Prezada amiga Marilyn, nessa crescente onda revisionista que assola nossos tempos, é Mao que desce, é Mutantes que sobe, é Dan Brown que populariza o mito de Madalena on-the-rocks, líquida e cálice fonte da vida e da verdade, acabaram se salvando também o Wilson Simonal e o Judas, retirado que foram da categoria “traidores do movimento”. Vamos então, querida amiga, aos novos fatos sobre este importante personagem da mitologia cristã, trazidos à luz pela tradução integral dos manuscritos encontrados em uma caverna e conhecidos como Evangelho de Judas.
Judas Iscariotes (derivado do hebraico Ish Kerioth: homem de Kerioth, cidade ao sul de Judá), teve uma infância pobre, não ao ponto da miséria, mas foi bastante privado de coisas que seus amiguinhos de Judá estavam acostumados, pão de trigo e aveia achatado e comido aos nacos com mel e tâmaras. Azeite e carneiro desfiado. Roupas de tecidos finos vindos do Egito e da Pérsia, sandálias de couro de cabra e muito mais. Para Judas, só restavam os restos. Vestes de primos, pão sem aveia e mel, sopa de tutano de osso de carneiro e outros itens off price do mercadão central lá de Kerioth. Embora de resultado óbvio, esse modo de viver acabou por construir em Judas uma psiquê marcada pelo dualismo entre o ser e o ter. Se, por um lado, sua vida humilde despojava seu ego (na época ainda não tinha esse nome porque Freud estava bem longe no horizonte) de adornos e confeitos materiais, essa mesma falta também alimentava certo rancor da parte dele para com seu grupo sócio-histórico. Posso te dizer, Marilyn, que foi nesse embate que se construiu a personalidade de Judd, como era chamado pela turma, na época. Um embate cruel entre ser e ter, um briga poderosa entre o modus vivendis da Índia e dos States, dilacerando a alma do coitado, deixando-o sem rumo, paralisado pelo tudo-nada das inúmeras possibilidades de seu ser. A adolescência de Judas seguiu tranqüila, na medida em que podemos dizer tranqüila, de uma adolescência marcada pela necessidade de auto-afirmação e da supracitada dúvida entre o ser e o ter.
Logo depois que terminou o lavoreth sapie, que corresponde ao nosso atual ensino médio, Judd se lançou ao mundo que se constrói e se apresenta a um jovem adulto no vigor de todos os seus desejos (tanto físicos como emocionais). Foi trabalhar no curtume do tio e sua responsabilidade era limpar e preparar as peles dos animais abatidos para que pudessem ser aproveitadas na confecção de roupas, sapatos e acessórios para o povo que tinha moedinhas de ouro para pagar por eles.
A vida de Judas girava em torno do trabalho, que fornecia o substrato para sua existência e em torno de sua efervescente busca pela verdade e o equilíbrio entre suas necessidades básicas humanas e seus possíveis excessos. Preparar o couro poderia, nessa ótica, ser visto como uma metáfora da busca de sua jornada individual, ou em termos junguianos, seu processo de individuação: preparar a pele é construir o arcabouço que sustentará todas as vivências futuras de seu animus e de sua anima. Mas, como eu disse logo no começo, Judas era uma pessoa dividida pelo desapego de ser e o desejo de ter, E, por mais que sua jornada se elevasse, as punhaladas do querer ainda cravavam seu destino. A pobreza da infância o havia marcado muito. O fato de lidar com o couro também não ajudava a melhorar as coisas. Era dele que saia a matéria prima para artefatos que tanto ele havia cobiçado durante seu período de penúria. Sandálias, cintos, bainhas de punhais, pulseiras, botas, tudo estava lá, potencialmente, em suas mãos. Seu querer material era o magneto que o segurava e o afastava da elevação espiritual. Por conta disso, o jovem Judas Iscariotes economizou cada moedinha de ouro que chegou até ele durante dois anos. Privou-se de alimentos supérfluos, de bebidas fermentadas e de roupas mais confortáveis para realizar um antigo sonho: comprar uma bota de couro de cabra feita na Pérsia da marca Ohp anah khein e vendida nas tendas multimarcas da avenida central, uma espécie de Rodeo Drive, de Kerioth.
E lá foi ele, depois de dois anos, comprar suas botas. Estava excitadíssimo, o sonho de uma vida inteira, simbolicamente, estava sendo realizado. Nada de sofrer mais, por não ter. Nada de deixar de ser, por não ter.
Judas chegou emocionado em casa, com o embrulho de pelica que acondicionava as botas. Tomou um banho, espalhou uma pasta de mel e cânfora em seus pés cansados, enrolou-os em uma toalha quente e esperou a calma balsâmica tranqüilizar seus artelhos. Depois, colocou suas roupas mais bonitas (não necessariamente as mais novas) e vestiu finalmente seus artefatos de couro de cabra. Judas se sentiu bem, se sentiu muito bem, como nunca havia se sentido antes na vida. Aquela mistura de desejo realizado, satisfação garantida e conforto extremo, proporcionada pelo forro duplo de couro de porco e pelica, misturados à elegância do couro de cabra, perfeitamente trabalhados pelos sapateiros persas, provocou em Judas algo parecido à calma que os amantes experimentam depois de terem satisfeitos suas necessidades carnais. Judas chorou. Verteu lágrimas de felicidade, de comoção pela vida dura que seus pais haviam levado em sua infância. Derramou lágrimas por ter atingido seu sonho.
Durante as semanas que se seguiram, Judas e suas botas formaram um único ser. Eram a mais perfeita tradução da idéia de acoplamento estrutural cunhada por Maturana e Varela quase dois mil anos depois. Por mais que ele as usasse, seus pés não doíam, não cheiravam mal e elas permaneciam intactas mesmo diante das chuvas e tempestades que enfrentavam. Seus pés mudavam e as botas mudavam com eles.
Nesses tempos iniciais, a bipolaridade da psique de Judd permaneceu tranqüila, parecia até mesmo que tudo havia sido resolvido e que ela não existiria mais. E foi assim por um bom tempo, meses, anos, Judas e suas botas, para lá e para cá, conforto extremo sempre.
Depois de muito tempo, o homem de Karioth começou a sentir, sem saber ao certo, um desconforto emocional, uma insatisfação na alma provocada por um querer ser, mais do que ter. Era como se o estado de plenitude física desencadeado pelas botas entorpecesse seu corpo e o ruído de fundo que ele fazia (na forma de dores e incômodos), subitamente, silenciasse, deixando os anseios da alma em evidência.
E assim foi, cada vez mais nítido e claro, seu espírito pedindo mais, querendo compreender mais, envolver-se mais, ao ponto de Judas começar a desejar pelo silêncio de seus desejos, de suas dúvidas. Ao ponto dele não mais querer o conforto de seus pés e a conseqüente amplificação que ele (o conforto) induzia em seus questionamentos emocionais e/ou metafísicos. Para ele, só existia uma forma de resolver essa situação: livrar-se das botas persas de couro de cabra e forro de pelica e porco. Mas como fazer isso num sistema pé-bota em perfeita harmonia? Como se livrar de algo que era a resposta para todas a suas mágoas infantis? Nunca ele poderia se livrar delas, Judas sabia disso com clareza e aí então fez a única coisa possível de ser feita: caminhou com elas. Andou, andou e andou pelas terras vizinhas, pelas terras conhecidas, por toda Judá, pela Pérsia, pelo Egito, Babilônia, caminhou com elas por anos, indo o mais longe que pode ir. Conheceu povos diferentes e costumes estranhos. Andou até onde pode, depois voltou e, apesar do conforto, suas botas começaram a se desfazer, mansamente começaram a desintegrar-se. Assim, em seu longo retorno para casa, para Kerioth, seus pés foram vagarosamente sendo despidos. Quando tocou o solo dos arredores de seu lar, quase mais nada existia a cobri-los. E ele pode então, adentrar sua casa descalço, mais maduro, crescido e pronto para encontrar aquele que, radical e novamente, mudaria sua vida.

Prezada Marilyn, Judas perdeu suas botas em sua própria casa depois de uma longa (em todos os sentidos) jornada de busca e crescimento que mais uma vez no remete a Jung e seu processo de individuação. Por isso que a expressão é usada, hoje em dia, para designar um lugar muito longe e inacessível, como nós mesmos o somos. Tão longe, tão perto!

16 outubro 2006

O côncavo é um convexo ao contrário?

André Nobreza perguntou:

O côncavo é um convexo ao contrário?

Prezado André, filosoficamente sim, pois na essência de toda concavidade está contida o seu oposto. Segundo o teorema de Schultz, todo espaço que se curva e se deforma, produz uma potencialidade de deformação igual, só que em sentido e valor contrários. O termo potencialidade é muito importante e está no cerne do pensamento sistêmico topográfico de Henry Schultz. Ele indica a possibilidade de acontecimento, que não necessariamente é realizada no devir da situação. É como se o cosmo se abrisse ao ser curvado e oferecesse, em contrapartida, uma outra solução possível (mas não real) ao ponto de instalação de novidade formado pela curvatura espacial. Schultz passou grande parte de sua vida demonstrando matematicamente essa “brincadeira topográfica” do universo conhecido. Seu famoso teorema [ Ci = -(p.ve/cr2)] pode ser explicado de uma maneira simples como: a curvatura imaginária (ci) é resultante do valor negativo da possibilidade de curvar (p) multiplicado pela variação do espaço (ve) dividida pelo quadrado da curvatura real (cr). Um dos primeiros desdobramentos desse teorema foi sua aplicação (com as devidas adaptações para velocidades próximas à da luz) na curvatura dimensional provocada pela enorme quantidade de massa encontrada nos buracos negros. DeBruniere e Palma, num excitante artigo de 1982 chamado “Where’s the light? Is possible to massive black holes behaviours like tears in the rain?” publicado pela Science and Universe ampliaram o teorema acrescentando variáveis cosmológicas específicas como, por exemplo, a possibilidade de deformação temporal e a topografia do horizonte de eventos. Os autores, nesse artigo, demonstraram matematicamente que toda matéria condensada pela estrela colapsada produz uma concavidade espaço-temporal em nosso universo e, concomitantemente, uma possibilidade de convexidade no universo para qual toda matéria (da estrela) está sendo enviada. Assim, ampliaram o conceito filosófico de côncavo e convexo, demonstrando matematicamente a possibilidade de sermos um universo côncavo de um outro convexo.

15 outubro 2006

Por que os carneiros choram ao serem abatidos?

Jaqueline Sartori perguntou:
Por que os carneiros choram ao serem abatidos?

Prezada Jaqueline, o fardo que os carneiros carregam, vivendo entre os humanos e os deuses desde os tempos imemoriais, é tão pesado e denso, em termos mitológicos e arquetípicos que, muito me espantaria, se eles não chorassem ao morrer. São criaturas tão doces, tão impregnadas de candura que sua própria carne tem um sabor adocicado. Viver o que viveram ao lado dos deuses, ao lado da prima manjedoura cristã, serem oferecidos como sacrifícios. Ter sido o animal preferido de Zeus e ter a pele coberta por um manto de ouro. Ser uma constelação, um signo, um símbolo, um sinal. Tudo isso é muito peso e muita responsabilidade para uma raça. São eles, os carneiros que, com seus rebanhos, nos pastoreiam em nosso existir. Eles que impõem limites ao nosso caminhar pela vida, enxertando serenidade e calma, aconchego e lã ao nosso viver. Sim, minha cara Jaqueline, jamais se iluda, são eles que nos pastoreiam e somos alguns de nós que, de vez em quando, desgarramos do bando e nos afastamos do rebanho, para longe da luz. Eles choram porque já experimentaram a dor da perda quando são tosquiados em todos os verões e pressentem que vão morrer. Por tudo isso eles choram, porque ao serem abatidos eles já viveram antecipadamente esse triste fim a eles imposto por nós. Justo nós, que eles tanto (e desde as mais remotas eras) têm protegido.

O que Deus significa para você ?

Jose Luis perguntou:
O que Deus significa para você ?

Deus, para mim, sãos aqueles fachos de sol entre as nuvens no final do dia. É um grande pai de barba e cabelos longos e brancos. É alguém que vê quando fazemos algo errado no banheiro e depois nos castiga, para o nosso próprio bem. Deus, para mim, é um triângulo com um olho no meio. Já foi Ra, Osíris, Zeus, Quetzalcoatl, Odin. É Tupã e os Orixás, já teve um filho chamado Buda, Messias, Moisés, Jeová, Cristo e Maomé. Deus, para mim, é o fruto da capacidade de perguntar (e de não conseguir responder) dos seres humanos.

13 outubro 2006

O que é a realidade?

Tiago Martins perguntou:
Tenho uma dúvida que me tira o sono: O que é a realidade?

Prezado ser ontológico Tiago, esta questão é muito simples de responder, a realidade é um artefato do observador. Poderia parar por aqui, mas acho que você ficaria chateado. O que quero dizer com isso? A realidade é uma construção coletiva de todos os seres cognitivos que vivem nela. A famosa duplinha de neurobiólogos chilenos, Maturana e Varela, dizia que “tudo que é dito, é dito por alguém”. O que significa que vivemos na linguagem e é nela que definimos o que existe e o que não existe. Ou seja, o que não podemos distinguir, não existe. Essa duplinha de pensadores teve uma sacada genial que foi dizer que, por trás de tudo que é dito (ou escrito, visto, ouvido, cheirado, pensado, sentido e etc.) existe a figura daquele que diz. E, mais que isso, que é impossível separar o que é dito daquele que diz. Dessa forma, é impossível definir o que é realidade (dizer o que é realidade) sem levar em conta aquele que define o que ela é. O pessoal da mecânica quântica já tinha sacado isso uns tempos antes. Já tinham percebido que quando o experimentador tenta medir alguma coisa subatômica, essa variável se altera pela própria experiência de medi-la, ou seja, não existe coisa subatômica isolada daquele que distingue essa coisa (através da linguagem).
Nossos queridos autores, em seu (quase) acessível livro “A Árvore do Conhecimento”, nos dizem que tudo que acontece em nós é determinado pela nossa estrutura. Dessa forma, nossos órgãos do sentido não captam aspectos de uma realidade objetiva que exista independente de nós porque quem determina o que pode ser um “estímulo” para nossos sentidos é a própria estrutura desses órgãos. Vamos a um exemplo dramático e violento, se eu pego um pedaço de cano e acerto seu braço com toda força, muito provavelmente vou quebrar seu osso, arregaçar sua pele, vai sair sangue e etc. (eu disse que seria violento). Mas, quem fez isso com seu braço? O cano? Ou a estrutura de seu próprio braço?
A ação do pedaço de cano é apenas uma perturbação à estrutura do braço, quem determina o que acontece com ele é sua própria estrutura (de carne, osso e sangue). Se eu pegar esse mesmo cano e tentar arregaçar o braço do Iron Man não vou ter tanto sucesso assim. O que mudou de um caso para o outro? A estrutura de cada um.
Por isso, podemos dizer que somos seres determinados estruturalmente. Tudo que acontece conosco é determinado pela nossa estrutura. Se assim o é, não pode existir nenhuma interação nossa com o meio (com a realidade) que seja instrutiva porque nossos órgãos do sentido não captam aspectos objetivos de uma realidade externa e sim são perturbados apenas pela gama de estímulos que suas próprias estruturas (dos órgãos do sentido) definem como perturbação possível. Os seres vivos definem em seu viver e pelas características de suas estruturas, o que é (são) a(s) realidade(s) possível(eis) de existir(em).
É por isso que a realidade não é uma coisa pronta e sim algo que foi dito por alguém, cujo próprio operar nessa realidade também é construtor desse dizer. Resumindo, podemos dizer que a realidade é conseqüência (e também causa) do operar de um sistema cognitivo em seu próprio meio.

09 outubro 2006

Como fazemos em relação a este mercado, onde a ética é ausente e a estupidez predomina?

Cenimar Soares perguntou:
Como fazemos em relação a este mercado, onde a ética é ausente, a imposição impera, e a estupidez predomina? Fazemos o trabalho engolindo o sapo, que não é pequeno, ou assumimos uma postura que é só nossa?

Prezada Cenimar, não tem jeito, não tem escapatória. A partir do momento em que você construiu um mundo ético para você e suas relações, sempre existirá esse confronto e esse eterno sofrer que é trombar com um mercado frequentemente não-ético. O grande aprendizado é sobreviver aos embates sem perder sua identidade, seus valores. Mas será possível chafurdar na lama e sair limpo? William Hughs em seu primoroso ensaio sobre a natureza humana (Existence and coexistence. 1923), nos diz que a falsa idéia de que é possível sair incólume de uma coexistência com grupos não éticos, produziram os maiores crimes da humanidade e dentre eles, podemos citar a ascensão do nazismo na Alemanha pós primeira guerra mundial. Essa noção de impossibilidade de compartilhamento com núcleos não-éticos é concomitante com as poéticas palavras de Nietzche: “se olhares para dentro do abismo, o abismo olhará para dentro de ti”. Em palavras menos nobres: “abraçou o gambá, saiu fedendo!”. Ou seja, particularmente, não acredito na falta de ética sustentável, na falta de ética que não prejudique o meio ambiente. Não que eu não a pratique, sometimes é impossível ser totalmente ético. A grande diferença é sempre saber que estamos errados quando estamos errados. Essa noção limita nossas ações não éticas circunscrevendo-as por limites éticos sólidos que acabam por impedir sua disseminação e contaminação do restante de nossas outras atitudes.
Resumindo, na prática, não existe possibilidade de viver na lama e sair limpo. Porém, o uso de equipamentos adequados pode fazer com que evitemos os lamaçais, mesmo que tenhamos que dar mais voltas e caminhar muito mais, para chegar até nosso almejado destino.

07 outubro 2006

Bacalhau é um peixe ou um processo de estocagem?

Pádua perguntou:
Afinal de contas bacalhau é um peixe ou um processo de estocagem?

Prezado amigo Pádua, no início, quando Odin reinava em Valhala, os peixes bacalhaus salpicavam os mares gelados da terra fria que existia sob seu reino. Naquela época, ele era um peixe servido como fina iguaria, tanto nos banquetes do reino mítico, quanto em comilanças organizadas pelos vikings conquistadores. Um pequeno poema dessa época retrata de maneira precisa a importância da comida no modo de vida desses bárbaros:
“Em meu rosto,
um frio e lento sol pálido
a lembrar de casa.
Se olho para o alto,
vejo as cores da boreal,
se olho para o barco,
a sua volta,
bacalhaus de prata sabem
que seu destino é nos alimentar.”
Esses pobres vikings, obrigados que eram a passar grande parte de suas vidas viajando, guerreando e conquistando novos territórios, tinham problemas graves de estocagem de alimentos. Em suas queridas e ausentes casinhas, deixavam o peixe devidamente congelado, pela imensa geladeira natural que possuíam, na maior parte do ano, em volta da casa. Porém, como levá-los quando singravam os mares? A resposta veio na forma de um processo relativamente simples, criado por suas esposas, que consistia em limpar os peixes, tirar as escamas e vísceras e salgá-los. Depois, eram prensados para serem estocados em grande quantidade, sem ocupar muito espaço e durarem bastante tempo.
Com exceção do fato de terem que comer nacos salgados de peixes em alto mar, a vida dos vikings melhorou muito após essa invenção de suas dedicadas mulheres, já que eles podiam levar um pedacinho do lar para onde quer que fossem.
O que começou como uma pequena melhoria na dura vida dos conquistadores, foi crescendo, crescendo e se transformou num produto de exportação de aceite mundial. E daí, óbvio, o que era artesanal, virou industrial e acabou com a maioria dos peixes bacalhaus. As, nessa altura do campeonato, grandes corporações pesqueiras percebendo a queda nas exportações, ampliou o famoso processo de salgagem para outras espécies de peixes. Por isso, o que era uma iguaria única se transformou, hoje em dia, em um processo de estocagem.

Por que tudo vale a pena se alma não é pequena?

Mazé perguntou:
Por que tudo vale a pena se alma não é pequena? Vale pras coisas boas e ruins?

Prezada amiga Marilyn, a alma é nosso reservatório de humanidade, seu crescimento é promovido pela vivência que temos, vivendo a vida que vivemos, juntos aos outros seres humanos. Portanto, não ter uma alma pequena significa ter repertório suficiente de humanidade para acolher os fatos da vida, digerindo-os e tornando-os parte de nosso ser. Sob esse ponto de vista, até as coisas ruins valem a pena, já que, quando imersas no grande salão de nossa alma, se diluem e são atenuadas pelas inúmeras felicidades que ali residiam há mais tempo.

02 outubro 2006

Por que mandavam a gente comprar baton?

Vera Millioti perguntou:
Por que mandavam a gente comprar baton?

Prezada e infinita amiga Vera, no início da década de oitenta, o imperialismo ianque sentiu que seus métodos tradicionais de opressão e imposição de valores e costumes, começavam a fraquejar. Não sei se pelo excesso de pessoas conscientizadas, se pelos formadores de opiniões que, após estudarem em escolas politizadas, começaram a contestar as horripilantes técnicas que o grande satã costumava usar para arrematar suas hostes de escravos, tudo começou a declinar. Você assistiu ao filme, não assistiu? O declínio do Império Americano. Pois é, dando uma bela resumida, os ianques perceberam que métodos mais sutis de doutrinação, poderiam acarretar um melhor resultado frente à população esperta que precisavam converter. Uma de suas mais famosas campanhas de programação foi a famosa publicidade do chocolate Baton. Designaram um jovem médico chamado Lair Ribeiro para coordenar o núcleo de atuação do P.A.M.M.I.S. (Programa de Alteração Mental Mediante Indução de Serotonina) no Brasil. Este programa sórdido baseava-se em estudos que haviam comprovado que o neuro-transmissor central serotonina (5-HT) é responsável por estados de tranqüilidade e satisfação no sistema nervoso central. Vale a pena lembrar que, na nossa cabecinha, existem zilhões de conexões entre os neurônios chamadas sinapses. O mais bonito numa sinapse é que, apesar dos neurônios se conectarem e transmitirem “informações” uns para os outros, eles nunca se encostam. Existe sempre uma fenda, um buraco entre eles, pelo qual a informação elétrica de um precisa pular para chegar até o outro. O coitado do impulso nervoso chega até a porta do buraco e não sabe como chegar ao outro lado. É nessa hora que entram em ação os neuro-transmissores, eles são os barquinhos que levam o pobre impulso nervoso de um lado para o outro, através da fenda sináptica. A serotonina é um desses neuro-transmissores e, quando é despejada em baldes em nosso cérebro, produz uma sensação de bem estar. Ou seja, níveis elevados de serotonina são encontrados em pessoas de bem com a vida, prestes a atingir o orgasmo, usuários de drogas e pessoas que comem muito chocolate. Como pegava muito mal para o P.A.M.M.I.S. lidar com a sexualidade emergente (ou mesmo com o uso de drogas) das crianças pré-púberes que seriam o público-alvo do projeto, optou-se pelo uso do chocolate como fator indutor da elevação da serotonina central. Esse poder do chocolate é bastante conhecido e, ao elevar a serotonina cerebral, produz uma ampliação da consciência e um relaxamento das defesas mentais para as novas idéias (ou ordens ou instruções). Percebeu, né? Crianças indefesas são induzidas, por uma massiva campanha publicitária, a comprarem chocolate de uma forma explícita e nem um pouco subjetiva. O anúncio era claro: Compre Baton! Atuava como um mantra hipnótico que enviava as pequenas criaturas para as mercearias, os bares e as cantinas escolares em busca do pequeno tubo de cacau e açúcar. Depois, dopados que estavam, suas cabecinhas virgens eram manipuladas pelos lacaios do imperialismo e seu plano sujo e torpe. Por um bom tempo, a coisa funcionou tão bem que, mesmo sem saber por que, até hoje as pessoas ainda se perguntam: por que mandavam a gente comprar baton?

01 outubro 2006

Qual o nome cientifico do bicho-grilo?

Victor perguntou:
Qual o nome cientifico do bicho-grilo e qual seu ancestral na evolução?

Prezado amigo Vital, o nome científico do bicho-grilo é Grillus hare grillus. O termo latim grillus significa, obviamente, grilo e o termo hare é uma expressão de saudação e exaltação ao reino dos filhos do cosmos. A colocação do segundo termo grillus tem como objetivo tornar o nome do bicho-grilo uma saudação mântrica semelhante ao famigerado hare krishna hare, fazendo uma alusão sutil às práticas sócio-filosóficas-culturais da espécie.
O ancestral do Grillus hare grillus é o Kerouac road sp. Ele viveu em grande parte do território da América do Norte durante a década de quarenta/cinquenta e era notório por seus longos questionamentos sobre a existência e a vida, sempre transcritos na forma de poemas de versos soltos. O Kerouac road sp, por sua vez, pode ter surgido como uma adaptação ao novo mundo de um outro ancestral encontrado no velho continente chamado Hesse sartre e que teria vindo para a América transportados por cargueiros da Lord e lavando porões. Quando perguntados sobre qualquer coisa, costumavam terminar suas respostas com a seguinte frase: “Se oriente, rapá!” Mas isso já é uma outra história.

Quem é o Homem da Cobra?

Icky Rocco perguntou:
Qual a origem da expressão: Fulano fala mais que o homem da cobra!
Quem é o Homem da Cobra?

Prezado Icky, em meados do século 19, no sul de minas, mais exatamente na cidade de Monte Santo de Minas, morava uma família cujo patriarca havia imigrado para o Brasil, proveniente do sul dos Estados Unidos. Seu nome era Charles Seven e veio para cá após uma série de incidentes ocorridos em sua cidade natal que não são relevantes para o restante de nossa história. Logo que chegou aqui, Mr. Seven se estabeleceu como um proeminente emprestador de dinheiro, no início, e um eminente banqueiro, depois de um curto intervalo de tempo. Charles, com seus quase dois metros de altura, pele branca e sardenta, um legítimo red neck, logo atraiu a atenção das mocinhas casadoiras da região. O que tinha de sinhá moça chovendo em sua caixa registradora era um absurdo. Mr. Seven logo se enrrabichou por Do Carmo, pele branca, cabelos negros e olhos de jabuticaba. Tiveram vários filhos e foi assim, de forma resumida, que começou a se consolidar o clã dos Seven. Naquela época, Mr. Seven praticamente financiava mais da metade dos custos agrícolas das outras famílias da região envolvidas com a plantação de café. Charles, porém, era implacável a respeito dos prazos e juros relativos a seus empréstimos. E também era muito temido por isso. Era o famoso “Homem da Cobrança” e fazia de tudo para reaver algum valor emprestado e não pago no devido tempo. Charles Seven era capaz de falações e discursos intermináveis que produziam o efeito de um mantra hipnótico em seus devedores, como algumas cobras supostamente são capazes de paralisar suas presas, fazendo com que eles acabassem por pagar o que deviam a ele. Preciso explicar mais alguma coisa? O homem da COBRAnça, ou seja, fulano fala mais que o homem da cobrança ... Com o passar do tempo: fulano fala mais que o homem da cobra. Numa corruptela da palavra original e numa alusão inconsciente ao imaginário popular que atribuía esse efeito mesmerizador aos supracitados ofídios.

Exercícios físicos garantem uma velhice saudável?

Shirley Rizzi perguntou:
Exercícios físicos garantem uma velhice saudável?
E o que fazer com a artrite, artrose, reumatismo e bico de papagaio?

Prezada amiga Shirley, exercícios físicos podem garantir uma velhice saudável desde que você não comece a praticá-los aos oitenta anos. Para que o crepúsculo existencial humano seja flexível e saudável, ele tem que ter sido conseqüência da prática controlada dos movimentos musculares e alongamentos tendonísticos executados também anteriormente à época do referido crepúsculo. Se assim não for, os exercícios podem realmente afetar nossas estimadas marcas do tempo, impressas que estão, em nossos corpos. Recomendo, no caso de aproximação com a maturidade e ausência de atividade física regular, a consulta de um profissional da área que não seja produto da moda vigente no setor e que saiba entender as limitações que anos de uso indevido possam ter provocado em nossa, velha de guerra, porém amada carcaça.

Por que a água gira no ralo da pia?

Keico Nonaka perguntou:
Por que a água gira no ralo da pia em sentidos inversos nos dois hemisférios da Terra?

Prezada amiga Keico, prepare-se para surpreendentes revelações, tão surpreendentes que até eu fiquei surpreso! A história da água rodar em sentidos inversos nos dois hemisférios terrestres é uma falácia, um mito científico moderno atribuído à força de Coriolis. Em seus estudos, Coriolis verificou que em um sistema em rotação há uma força que afeta o movimento de um corpo de maneira diferente no hemisfério sul e no hemisfério norte e é de intensidade nula no Equador. É essa força, resultante da forma e movimento rotacional do planeta, que faz com que os redemoinhos de vento do norte rodem ao contrário dos redemoinhos do sul. Para aplicá-la ao pequenos redemoinhos formados nas nossas pias foi, então, um passo. Porém, cálculos mostraram que a magnitude dessa força, na pequena quantidade de massa de água de nossa pia, é desprezível e não influencia em nada no sentido de rotação de nosso pequeno fruto da ira de Poseidon. E durma-se com uma decepção dessas!

Para maiores informações: http://www.projetoockham.org/boatos_coriolis_1.html